ISABEL E AS COMADRES PORTUGUESAS

O presidente do PS, Carlos César, rejeita pressões do primeiro-ministro ao Banco de Portugal, defende que foi António Costa quem “libertou” o BPI de Isabel dos Santos e culpou o executivo de Passos Coelho pelo processo no Banif. A festa dos bajuladores promete ter novos episódios, qual deles o melhor.

Estas posições foram transmitidas por Carlos César através de uma mensagem que publicou na sua conta na rede social Facebook, reagindo a acusações de que António Costa foi alvo por parte do ex-governador do Banco de Portugal (BdP) Carlos Costa – acusações essas que este reiterou na terça-feira.

No texto, o antigo líder parlamentar do PS e actual membro do Conselho de Estado considera que o ex-governador do Banco de Portugal foi “desrespeitoso” e passou a ideia de que “há despeito a mais e sentido de Estado a menos” por ter saído do cargo “sem grandes elogios”.

Em relação à controvérsia em torno da presença em 2016 de Isabel dos Santos, filha do ex-presidente de Angola, no capital de instituições bancárias em Portugal, como o BPI e o BIC, Carlos César entende que se compreende o cuidado então que devia ser usado face à definição de prioridades, tendo em vista evitar precipitações.

Ora, de acordo com o presidente do PS, a sugestão de tais cuidados por parte do primeiro-ministro, “se ocorreu, não seria, como é óbvio, nunca considerada como uma intromissão ou uma pressão ilegítima, mas, quando muito, a comunicação de uma perspectiva do Governo nos assuntos em causa”.

“As razões, aliás, desses cuidados, já foram nestes dias reconhecidas publicamente e contextualizadas por consultores e analistas politicamente insuspeitos e creditados, de que destaco Lobo Xavier e Nogueira Leite. O que também é necessário dizer é que, ao contrário do que insinuam ou explicitamente mencionaram os protagonistas da agenda política em curso da oposição, a independência de uma instituição como o Banco de Portugal não é salvaguardada e muito menos consolidada através da exclusão do diálogo e de uma interlocução com outros órgãos e instâncias, designadamente com o Governo”, contrapôs o antigo líder parlamentar do PS.

Carlos César, membro do Conselho de Estado, aponta ainda que, “ao contrário do que esses sectores insinuam, não há, nem houve, como todas as pessoas de bem reconhecerão, qualquer espécie de cumplicidade ou sequer permissividade do primeiro-ministro ou do PS face à então accionista do BIC”. “António Costa quis proteger Isabel dos Santos? Mas não foi o Governo de António Costa que aprovou um decreto-lei que permitiu ao BPI libertar-se de Isabel dos Santos? Foi”, conclui.

Para o presidente do PS, “pressões políticas então faladas e, pelos vistos, bem-sucedidas, foram as que levaram Carlos Costa a impedir a nomeação de Mário Centeno para director do Gabinete de Estudos do Banco de Portugal”.

No seu texto, Carlos César reage também ao facto de o antigo presidente do PSD, Marques Mendes, ter defendido, também na mesma sessão, na terça-feira, que o Ministério Público deveria abrir um processo de investigação criminal à forma como foi vendido o Banif.

Sobre o Banif, o que se sabe é que Portugal tinha assumido o compromisso de descontinuar a actividade do banco no continente até Maio de 2015, permitindo à União Europeia que se mantivesse em actividade nas regiões autónomas e nas comunidades portuguesas no exterior. Como é sabido, esse compromisso não foi honrado pelo Governo de Passos Coelho e pelo governador Carlos Costa”, acusa.

Para o presidente do PS, “os lesados do Banif – nos Açores, na Madeira e na diáspora – sabem bem quanto lhes custou esse incumprimento”.

Na perspectiva do antigo presidente do Governo Regional dos Açores, “em Portugal, como em qualquer outro país com um ordenamento semelhante de separação de poderes, qualquer das partes envolvidas agora neste litígio podiam e, sobretudo, deviam trocar informações e opiniões, especialmente com a reserva adequada”.

“A independência e o relacionamento entre essas instituições em nada me parecem beliscados por isso. Pelo contrário, o sentido da divulgação do seu detalhe, usado por Carlos Costa, é que me parece desrespeitoso e não contribuir para a verdade e a contextualidade histórica dos assuntos em causa, resultando, inversamente, a ideia de que há despeito a mais e sentido de Estado a menos por parte do antigo governador que, como se sabe, saiu do cargo sem grandes elogios”, acrescenta.

Quando César não é sério

Carlos César foi observador convidado pelo Presidente do MPLA e pala sua sucursal, Comissão Nacional Eleitoral (CNE), e defendeu que as eleições gerais representaram um passo em frente do ponto de vista da democratização do país tendo decorrido de forma organizada e pacífica.

“Creio que se pode dizer que Angola tem hoje, em matéria de direito eleitoral, um normativo muito semelhante àquele que existe para as eleições para o quadro dos países europeus. Foram tomados muitos cuidados, designadamente em áreas como os do recenseamento, como nos processos de apuramento”, defendeu o socialista em declarações à TSF, certamente referindo-se, entre outros pormenores abonatórios da transparência opaca do MPLA, aos mais de dois milhões de mortos que tiveram “direito” a votar.

Para Carlos César, a circunstância de em Luanda a UNITA ter uma “vitória expressiva” “mostra que esse escrutínio se aproxima muito de uma configuração que dá a vitória ao MPLA” mas também revela “alguma credibilidade no apuramento dos resultados”. Alguma?

De qualquer modo, acrescentou, os resultados “serão sempre escrutináveis em outras instâncias, desde logo centrais, para além da Comissão Nacional de Eleições e até, se necessário, junto do Tribunal Constitucional”, referiu Carlos César, passando aos angolanos um atestado de matumbez, como se não soubesse que o TC é também uma sucursal do irmão do PS, o MPLA.

O país “precisa de prosseguir na acentuação do carácter pluralista na sua vida política” mas não só, defende o presidente socialista. “Necessita de diversificar a sua economia, de qualificar os seus cidadãos, de combater a pobreza e de ser mais eficaz no combate à corrupção, apesar dos importantes avanços”, sustentou Carlos César, advogando – mais uma vez de forma encoberta – que a melhor maneira de defender as galinhas é colocar dentro do galinheiro algumas raposas.

Para lá chegar, “o que é necessário é que Angola seja capaz de um diálogo interno profícuo, que o partido vencedor respeite os partidos vencidos e que estes queiram colaborar com o partido vencedor”, de modo o país “possa aproveitar todo o seu enorme potencial para que se afirme no plano africano e no plano internacional como um país de confiança.”

Se acaso MPLA tiver dúvidas, nada melhor do que analisar como funciona o seu irmão português…

CEGOS, SURDOS, MUDOS E… COBARDES

Os portugueses Paulo Portas, Carlos César e José Luís Arnaut foram escolhidos pelo candidato do MPLA, João Lourenço, para serem observadores nas eleições legislativas de 24 de Agosto.

Os ideólogos do regime que desgoverna Angola desde 1975 e os políticos portugueses entendem, em grande parte por culpa nossa, que somos todos matumbos. E se por cá se fomenta o medo, a ignorância, o pensamento único, o mesmo (ainda) não se pode dizer em relação a Portugal. Custa, por isso, a entender que os dirigentes portugueses estejam (ou digam estar) tão mal informados em relação a Angola.

Custa a crer, mas é verdade que os políticos portugueses tudo fazem para procurar legitimar o que se passa de mais errado com as nossas autoridades.

Alguém ouviu Paulo Portas, Carlos César e José Luís Arnaut dizer que 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é das mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças? Alguém os ouviu dizer que apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?

Alguém ouviu Paulo Portas, Carlos César e José Luís Arnaut dizer que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade? Alguém os ouviu dizer que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?

Alguém ouviu Paulo Portas, Carlos César e José Luís Arnaut dizer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos? Alguém os ouviu dizer que, em Angola, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?

Alguém alguma vez ouviu Paulo Portas, Carlos César e José Luís Arnaut dizer que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?

Alguém ouviu Paulo Portas, Carlos César e José Luís Arnaut dizer que Angola é um dos países mais corruptos do mundo e que tem 20 milhões de pobres?

Ninguém ouviu. Dir-se-á, e até é verdade, que esse silêncio é condição “sine qua non” para cair nas graças dos donos do dono do nosso país, até porque todos sabemos que nenhum negócio se faz sem a devida autorização de João Lourenço.

Portugal consegue assim não o respeito mas a anuência do regime para as suas negociatas. Esquece-se, contudo, de algo que mais cedo ou mais tarde lhes vai sair caro: o regime não é eterno e os angolanos têm memória.

Folha 8 com Lusa

Artigos Relacionados

Leave a Comment